No conto "A teoria do medalhão" de Machado de Assis defende-se uma tese cujo objetivo é delimitar passos específicos para que uma pessoa se torne o que pode ser compreendido como "medalhão" - aquele que se limita à vulgaridade apenas para obter um, aparentemente, bom caráter, que o torne em um símbolo, um referencial.
Este artifício, recorrente a tais pessoas para adequarem-se às máscaras sociais mais queridas e almejadas popularmente, é facilmente justificável: é cômodo ouvir o que já foi dito, esquivar-se de uma realidade e ter uma trajetória linear de vida, sendo assim desnecessárias grandes manobras para se viver.
Justamente por nos acomodarnos com os incômodos rotineiros, tendemos ao estranhamento de qualquer ideia que desconstrói o lugar-comum, chegando até mesmo a rejeitá-las, pois, citando Caetano Veloso, "Narciso acha feio aquilo que não é espelho". Desta forma, poucos refletem sobre nossas instituições, nosso comportamento e nossos valores, tidos como pilares sociais.
Por tudo isso, é válido vasculharmos os aspectos mais singelos e prosaicos a fim de compreendermos, por exemplo, por quê nos vestimos de uma forma tão parecida; por quê a política é vista como motivo de piada ou com repulsão para tantas pessoas; por quê as escolas não dão maior enfoque humanitário ao invés de serem apenas conteudistas, e em alguns casos, prepararem os alunos única e exclusivamente para o vestibular. Esses questionamentos podem evitar que absorvamos os costumes ao extremo, até o ponto em que o natural e o normal já não se distinguam tanto, senão por uma linha tênue.
Em suma, a cultura da vulgaridade acaba por, mesmo que sorrateiramente, padronizar o homem em uma dimensão ampla, reduzindo-o ao medíocre. E como consequência dessa cultura, surgem os tais "medalhões" que personificam a ostentação pelo luxo e tipificam uma classe intelecto e socialmente estagnada. Trata-se, assim, da receita ideal para a formação de uma legião cada vez menos participativa e mais acomodada, lacaia do poder público.